sábado, 27 de agosto de 2016

Assalto mascarado - Henry

Eu tinha que, ao menos, tirar essa dúvida da minha cabeça. Será que isso tinha a ver? Os negócios?

- Roberto Castelari.

- Oi, Roberto. É o Henry Pocci Stewart, como vai?

- Henry! Oh, céus, achei que fosse ligar! Acabei de ser informado. A moto e o carro do meu filho foram vistos com bandidos?!

- Roberto, preciso saber, você sabe do seu filho?

- Eu gostaria de poder dar boas notícias, Henry, mas eu não tenho uma boa convivência com ele. Não sei nem o que dizer. Ou fazer.

- Tem, ao menos, alguma ideia do por que dele ter pegado uma refém ou assaltado o shopping? Se era mesmo ele...

- Acho… - Roberto suspirou, pesaroso, do outro lado da linha. – Ele quer me atingir, suponho. Reduzi o limite do cartão de crédito que dei para ele e a mesada há duas semanas. Ele ficou furioso, mas você precisa concordar comigo que um rapaz de 24 anos não pode ficar desempregado, repetindo na faculdade e na farra mais. Achei que assim o obrigaria a arranjar um emprego. Ele foi avisado há mais de dois meses que eu faria isso caso ele não arranjasse um emprego. – Ele fez uma pausa. – Agora bandido? Não consigo acreditar que essa é uma possibilidade. Que ele é um suspeito.

- Não há a possibilidade de ele ser uma vítima junto com a minha filha? – Precisei colocar isso para fora. Que pai não pensaria assim?

- Já teriam ligado para pedir resgate. Tenho certeza disso.

- Você acha que essa é sua índole mesmo?

- Infelizmente, sim. Minha esposa sempre o mimou muito e ele sempre teve tudo que quis. Agora pago a consequência. E sozinho, ainda por cima, já que minha esposa faleceu há alguns anos.

- Sinto muito.

- Obrigado. – Ele suspirou. – Conte comigo. Vou fazer o que for preciso para que sua filha volte para casa, caso eu consiga entrar em contato com ele. – A tristeza da voz do meu amigo era tocante.

Desliguei o celular e encarei a tela de chamada. O que haveria de ser feito? Essa seria uma teimosia de um adulto mimado ou havia algo a mais?

Olhei para minha esposa, que sobrevivera a um sequestro relâmpago das mãos do mesmo grupo que agora tinha minha filha, agora sendo consolada pelo William, e não consegui ir até eles contar sobre a ligação. Ao invés disso, recebi uma chamada. Roberto Castelari apareceu na tela. Atendi.

- Alô?

- Henry, a escolha da sua filha foi aleatória. Ele não sabe quem ela é, e não contei. Para ele, ela é a “namoradinha de um policial”, como ele disse. Céus, preciso avisar a polícia.

- Espera! Volta. O que houve?

- Recebi uma ligação dele assim que desligamos. Ele está exigindo que eu deposite R$ 3 milhões e 500 mil na conta dele em troca de libertar a menina linda e inocente que está com eles. – Oi? Como é que é?

Enquanto eu ouvia isso, vários policiais entraram em suas viaturas e saíram disparados, com as sirenes ligadas, pelas ruas, inclusive o policial que entrou no shopping com a Stella, Matheus.

Meu filho se aproximou de mim e disse que acharam o local que os bandidos estavam. Precisavam chegar lá o mais rápido possível para surpreendê-los e conseguirem resgatar a Stella.

- Ouviu isso, Roberto?

- Ouvi. Vou desligar e ligar para informar o policial que falou comigo sobre as exigências do meu filho. É minha obrigação.

- Ok, se você diz... Tchau.


- Sim. Até mais.

sábado, 20 de agosto de 2016

Assalto mascarado - Eliza

- Stella! Não! – Por que levaram minha filha? – Precisamos voltar e falar com aqueles policiais.

- Como eles deixaram isso acontecer? – disse a mulher com o rabo de cavalo.

Voltamos à frente do shopping e logo vi meu marido e William, ambos descabelados e com alguns hematomas nos rostos e braços. Fui ao encontro deles sem parar para falar com ninguém.

- Ah, meu amor! Como você está? Cadê a Stella? Você levou um tapa…

- Henry, levaram a Stella. – Lágrimas rolaram por minhas bochechas. Eu estava nervosa. – Não sei por que… Não faz sentido!

- Mãe, bandidos não fazem sentido. Por que cargas d’água pegaram você, por exemplo?

- Will, ele disse algo sobre o “namoradinho policial”. Você sabe de algo?

- Que? – ambos perguntaram ao mesmo tempo.

- Vocês me ouviram.

- A Stella não namora, mãe. Ela mal sai de casa! Muito menos conhece um policial.

- Will, o policial que entrou com ela. – Os dois se entreolharam. – A Stella passou pela segurança e entrou no shopping determinada a te encontrar. Um policial entrou atrás dela, porém você sabe como é a sua filha. Cabeça dura. Ele não conseguiu tirá-la de lá.

- Acho que sei quem é. Vi um policial na vitrine falando com a Stella. – Olhei em volta. Eu tenho boa memória, quem sabe eu não conseguia identifica-lo?

Fiquei alguns segundos olhando, tentando puxar na memória a imagem do moço. Não precisei me esforçar muito. O rapaz em questão veio falar com meu marido.

- Senhor, me desculpe. Não consegui evitar que sua filha…

- A culpa não é sua. Acredite, ninguém impede Stella de fazer nada quando ela estabelece que fará. Sério, vocês podiam estar em uma meia dúzia ou ser o papa que não a parariam.

- Onde ela está?

- Ela foi pega pelo bandido que fugiu por último. Ele disse que o namoradinho policial dela não deixaria que atirassem nela.

- O que? Ela foi levada e a senhora não fala nada? – Ele apertou o walk talk de seu colete. – Uma refém está com os filhos da puta. – Disseram algo que não entendi e o policial respondeu: - É a Stella, a maluquinha que entrou no shopping para achar a mãe. A mãe dela está comigo agora.

Um paramédico veio ao meu encontro pedindo para deixa-lo cuidar dos meus hematomas. Eu sequer lembrava deles, preocupada demais com o fato da minha filha ter sido sequestrada, contudo eles doíam muito, portanto deixei que ele me levasse até a ambulância enquanto aquele policial conversava com o rádio.

Eu não quebrara nenhuma parte do meu corpo, mesmo depois daqueles tapas, algo que eu já imaginava, afinal eu não estaria aguentando de dor se fosse o caso.

- Mãe, acharam o esconderijo dos desgraçados que estão com a Stella. – William chegou perto de mim depois de um tempo. – A Stella levou consigo um desses dispositivos walk talk de policial e rastrearam o sinal dele.

- Ainda bem que ela ligou o aparelho, porque já estávamos sem opção de como acha-la. – falou o policial. – As fitas de vigilância da rua ainda não chegaram e quanto mais tempo esperássemos, menos chance teríamos. Preciso dizer que estou impressionado com a inteligência da sua filha. Ela já fez alguma luta ou aulas policiais?

- Não – William mesmo respondeu. – Ela só é inteligente mesmo.

- E assiste seriados policiais. Talvez isso tenha a ver. O que me deixa ainda mais preocupada. – Precisei complementar.

- Não pense isso. – Henry surgiu pela lateral da ambulância. – Ela não vai se achar espertinha. Ela terá paciência.

- Será?

- Ela não terá tempo para isso, senhora. Vamos salvá-la antes que ela perca a esperança de que isso aconteça.

- Matheus? – Ouvi sair do rádio do policial que estava ali conosco. Ele se endireitou, parecendo surpreso, assim como nós. Era a voz da Stella! Eu reconheceria em qualquer lugar. – Descobri como tirar aquele maldito “bip”… Canal dois. Matheus Carto. Por favor, me diz que acertei o ramal/canal ou sei lá da polícia. Câmbio.

- Essa… - Não tive a chance de terminar. O policial arrancou o walk talk da vestimenta e apertou o botão de resposta.

- Stella? – Ele falou, aos sussurros, assim como ela. – Stella, você está bem? Sabe onde está? Rastreamos o sinal desse rádio, vamos te resgatar!

- Ah, Matheus, graças a deus! – Minha filha não é religiosa. “Graças a deus” é só uma expressão de alívio para ela, mas não para mim. – Escuta, eu estou em algum barraco no meio da comunidade, mas tenho a impressão de que esses bandidos não são daqui. XVX-1570 é a placa da moto Yamaha que eu fui obrigada a subir. Descubra o dono. XVX-1570. Não responda nada agora, eles estão vindo. Câmbio.

O policial obedeceu. Eu só queria falar com ela, entretanto ele me garantiu ouvir barulhos de pessoas e não deixaria que ninguém tentasse se comunicar com ela para que não se metesse em mais encrenca. Os policiais precisaram mudar o canal de comunicação para não haver risco de falarem com ela. Essa era a melhor chance para a polícia. Não podiam arriscar perder o rastro dos bandidos.

Matheus levou a informação que Stella deu a quem poderia averiguar, sobre a moto. Não levaram muito tempo para obter um nome: Fábio Castelari. Filho de Roberto Castelari, um empreendedor rico que morava no Rio de Janeiro. Seu filho fazia faculdade aqui em São Paulo. Mesma idade de William. E ainda descobriram que o rapaz possuía um carro em seu nome. Um Ford Ka.

- Como? Um Ford Ka? – fechei os olhos com força e me concentrei. Os bandidos fugiram em um Ford Ka. Qual era a placa? Concentra, Eliza, que você lembra! (Essas minhas frases motivacionais…) – A placa começa com BDM…

- 3754. BDM-3754. Como sabe?

- Filho da puta! – Disse para mim mesma, mais alto do que deveria. – Desculpa, não é você, é que os bandidos fugiram em um Ford Ka. Só consigo me lembrar dessas letras da placa, mas não acho que outro Ford Ka tem essas mesmas iniciais.

- Stella tinha razão. Acho que sabemos quem um dos bandidos é. – Disse o policial. Enquanto isso, Henry cerrava os punhos e isso não era nada bom.

- Henry, amor – levantei da ambulância e o empurrei para longe das pessoas. Ele havia demonstrado uma reação estranha desde que ouvimos o nome Castelari. – Por acaso “Castelari” significa algo para você?

- Liz, não só significa, É ALGUMA COISA PARA MIM. A empresa de Roberto Castelari é uma das que faz negócio conosco! Com a distribuidora! Não é possível!

- Que? – William não ficara tão longe de nós quanto eu pensava. – Você está dizendo que o filho de um dos caras que tem contrato com a distribuidora é um dos principais suspeitos do sequestro da minha irmãzinha?

- Aconteceu algo entre vocês? – Interrompi-o. Eu entendi a indignação do William, porém seu tom sugeria uma certa ameaça, então me adiantei.

- Não! Nada! Eu… Eu não acho que o sequestro da Stella tenha a ver conosco, a empresa. Você não disse que ele falou do policial? – Henry direcionou a pergunta a mim e pensei um pouco sobre.

- Falou. É, parece que ela foi pega aleatoriamente, meio que de última hora pela maneira como o bandido agiu. – Era verdade. Ele estava praticamente partindo quando olhou para minha filha e teve a ideia de leva-la.

- Como podem dizer isso? – William não conseguia enxergar nosso ponto de vista. – E ainda assim, é o filho de um cara que você conhece.

Considerar isso era necessário e lógico. Henry se afastou de nós e ligou para esse tal de Roberto de prontidão e foi atendido com a mesma rapidez.

domingo, 14 de agosto de 2016

Assalto Mascarado - Stella

Minha mãe já estava falando que algo parecia errado nesse dia. Eu fico arrepiada e odeio quando ela diz que está sentindo um aperto no peito. A última vez que ela citou isso, um parente nosso sofreu um acidente de carro e ficou três semanas no hospital.

- Mãe, pode parar! A gente só vai almoçar no shopping, passear um pouco e voltaremos logo para casa. Chilax! – Meu irmão se revoltou.

Saímos de casa ignorando as previsões que minha mãe poderia ter e nada aconteceu. Ainda brincamos com a minha mãe sobre ela estar errada.

Fomos almoçar e demos uma volta no shopping quando, de repente, rumores de que assaltantes estavam ali chegaram a nós. Meu pai nos olhou assustado e disse:

- Vamos embora, agora!

Nós não fomos os únicos a ter essa ideia. Felizmente não precisávamos pagar o cartão no caixa do estacionamento, então só nos dirigimos rapidamente ao carro e já estávamos na fila da catraca quando policiais entraram, andando, por elas, revistando todos os carros.

Meu pai cumprimentou o guarda que veio até nós e estávamos liberados. Respiramos aliviados e sairíamos em alguns segundos quando vimos um grupo, uma meia dúzia de pessoas, vindo em direção ao carro.

Os policiais já não estavam mais em visão e dois caras abordaram o carro, tirando minha mãe do banco do passageiro.

- Vocês vão sair e bater o carro! – um deles comandou.

- É melhor fazer o que meu parceiro disse ou então mataremos esta mulher. Batam o carro na esquina. Vão!

Meu pai obedeceu. Não era fácil bater o carro ali, aonde postes eram escassos. Meu pai ficou sem escolha, achando que os bandidos ainda nos observavam, tentou uma derrapada e foi com tudo em um muro, airbags explodindo em nós.

- DUCK! – Foi a única palavra que soou no carro antes de colidirmos. Eu a falei, puxando a cabeça do meu irmão para baixo.

O carro ficou bastante danificado, entretanto nenhum de nós estava com dores ou sagrando. Fui a primeira a sair do veículo, abrindo a porta do motorista e puxando o meu pai. Fui amparar meu irmão em seguida.

- Sai, Will! Vamos, nós temos que achar a mamãe!

- Você enlouqueceu? – Meu pai me segurou pelos ombros.

- Não, não enlouqueci. Nós vamos voltar ao shopping, achar os guardas e resgatar a mamãe. – Olhei bem nos olhos do meu pai e completei: - Se vocês não quiserem ir, vou sozinha.

- Não seja maluca! – Meu irmão começou, porém logo foi cortado por meu pai.

- Vamos logo. Stella já tomou sua decisão e não vou deixa-la ir sozinha, Will. Vamos!

Havia, pelos menos, uma dúzia de policiais ali na porta de entrada a pé do shopping. Eles estavam bloqueando a entrada, falando para todos que havia bandidos lá dentro.

- Moço, eu sei, mas minha mãe está lá com eles! Eles a sequestraram! Vocês fizeram um péssimo serviço ao entrarem pela saída de carros, sabia? Foi assim que pegaram a minha mãe!

- Senhorita, fique calma. – O policial que eu falava olhou bem para mim, esperando.

- Filha, calma. Queira desculpá-la, mas acabamos de presenciar o sequestro da minha esposa e fomos mandados bater o carro caso quiséssemos vê-la viva de novo, ou seja, sofremos um impacto físico e estamos um pouco nervosos no momento.

- Como assim? Bateram o carro…

- Então, como eu disse… - fui interrompida por meu pai.

- Eu falo, Stella. Vocês checaram meu carro e, quando pensamos que voltaríamos para casa, os bandidos entraram no estacionamento como vocês. Vieram direto para o meu carro. Não vimos se abordaram outros carros, pois nos mandaram sair imediatamente e bater o carro. Acho que era para criar uma distração para atrai vocês, que acabou nem funcionando.

Um dos policiais que checara o nosso carro chegou ali para reportar algo e logo nos viu. Veio em nossa direção, uma interrogação expressiva.

- O que fazem aqui?

Não fiquei para ouvir. Saí correndo para a única porta manual de entrada. Já era tarde demais para me impedirem, então um único policial entrou correndo atrás de mim, não para me parar, mas para me escoltar, me ajudar, o que me surpreendeu. Ele retirou seu uniforme, pegando emprestado uma calça da primeira loja que passamos – e escondeu ali suas vestes de policial.

- Não vou poder colocar meu colete, então espero que você saiba o que está fazendo. O risco que estamos correndo.

- Você tem ideia de que eu vi minha mãe ser arrancada do carro, né? Não, lógico que não sei bem o que vou fazer, mas tenho que acha-la! Treinamento policial quem tem é você, não eu!

- Desconfiei que essa seria sua resposta.

Olhei para ele, me perguntando seu nome e se ele tinha alguma sugestão do que poderíamos fazer. Eu precisava de alguma resposta.

- Meu nome é Matheus Carto. Já estou pensando nisso. Não tenho certeza. Você é Stella, certo?

- Isso.

- Bom, nós podemos bolar um plano juntos.

Pensei que o shopping estaria sem movimento, entretanto as pessoas ainda tentavam se esconder e entrar em lojas, cujos lojistas fechavam o mais rápido possível.

Caminhei apressada, olhando por todos os lados, procurando alguma pista. Nada deles. Aonde estavam? Será que haviam entrado em alguma loja?

Não era muito difícil ou absurdo imaginar a primeira loja que iriam assaltar. A de joias. Tinha que ser. Por isso não pensei duas vezes antes de sair correndo para o piso intermediário atrás da única joalheria do shopping, a Vivara, e não foi fácil ver a cena dali dentro.

Minha mãe não era a única na mira dos bandidos. Havia mais umas dez pessoas entre funcionários e clientes que ficaram presos ali dentro, todos ajoelhados e com as faces para o chão enquanto um dos bandidos pegava os objetos da disposição na parte interna do estabelecimento. Tentei identificar alguém no chão, porém só minha mãe era familiar.

- Precisamos nos esconder. – Matheus me puxou pelo cotovelo. Virei em direção ao banheiro e disparei para lá, sem deixar rastro de barulho. Foi quando ele puxou um rádio do bolso.

- Você ficou maluco? Vão ouvir o barulho, animal! O primeiro “bip” e estamos ferrados. – sussurrei, olhando em seus olhos, minhas mãos na deles, pegando o rádio. – Desliga.

- Sabia que eu podia prender você por desacato pelo que acabou de me falar?

- Faça isso depois de salvar minha mãe, ok? – Eu me sentia furiosa e deveria estar aparentando mesmo, pois ele fechou a cara e mudou de expressão ao dizer:

- Desculpa. Você tem razão. Que estúpido, no que eu estava pensando?

- Em se comunicar. Aqui, ó – retirei meu celular do bolso. – Usa meu celular. Ligue para um dos policiais lá de fora. – Parei por um segundo, considerando que, talvez, os policiais em questão não fossem atender o celular por estarem em horário de serviço. Reformulei minha frase: - Não, já sei. Meu pai deve estar enlouquecido lá fora. Deixa eu ligar para ele, ai ele passa para alguém… algum policial.

Matheus só concordou enquanto me devolvia o meu celular. Apertei o nome do meu pai nos “favoritos” e ele atendeu ao segundo toque.

- Stella? Filha, você tá bem?

- Pai, péssimo jeito de atender. Se eu tivesse sido pega e mentido, você tinha assinado minha sentença de morte, suponho.

- Filha… Você acha que eu conseguiria evitar?! Você tem ideia do que fez? Puta que pariu…

- Calma, pai. Tô bem. Tô escondida com o policial ao lado da Vivara. A mamãe tá lá dentro com mais umas dez pessoas que acho que são funcionários e clientes da loja. Pai, presta atenção. – Ele tentava falar, mas precisávamos ser rápidos. – Liguei para você para que se acalmasse um pouco. Eu ainda tô bem. Vou te… - Meu pai suspirou do outro lado da linha, dizendo:

- Eu não consigo me acalmar com as duas mulheres da minha vida correndo risco de vida. Te amo, meu amor.

- Também te amo, pai, mas você precisa acreditar que daremos um jeito. Promete?

- Não consigo entender como.

- Pai, escuta. Passa seu telefone para algum policial, tá bom? O policial que está aqui comigo precisa falar com eles.

- Vou fazer isso. Só fique segura.

- Vou tentar. – Entreguei o celular para Matheus.

- Senhor? – Meu pai deve ter respondido algo. Eu disse baixinho “Henry”, mas ele não entendeu. – Por favor, encontre o comandante Azevedo e passe o telefone. – Mais uma pausa, uma resposta do meu pai. – Sim, senhor, cuidarei para que ela volte intacta para casa, você tem minha palavra.

Não queria ouvir a conversa. Nem com meu pai, meu com esse comandante. Eu só conseguia pensar na minha mãe deitada no chão. Em pouco tempo ela começaria a causar problemas, eu tinha certeza. Ela estava ajoelhada no chão, por Cristo, e tinha dores nas costas! Por que esse é um dos meus primeiros pensamentos? Ah, já sei! Talvez seja porque ELA FICOU TRAVADA HÁ POUCO MAIS DE DOIS ANOS E FOI PARAR NO HOSPITAL E PRECISOU FAZER UMA CIRURGIA! Se isso acontecer, se ela tiver dores, enquanto ela estiver sob cuidado de ladrões, temo o pior.

“Eles podem colocar uma bala na cabeça dela”, pensei. E esse pensamento não ajudou em nada a me acalmar, só fiquei mais desesperada. Eu só conseguia imaginar minha mãe esparramada no chão com uma bala atravessada em sua cabeça. Eu precisava agir.

- Continue aqui – falei para o Matheus, que tagarelava com o superior dele.

- O que? – Ele me segurou.

- Garanta o resgate de todos e a apreensão desses filhos da puta, mas não posso ficar aqui pensando na minha mãe. Você pode. NÃO SAIA DAQUI! – soou como uma ordem ríspida e eu saí correndo.
Espalmei minha mão na vitrine da loja e gritei “MOM!” em pânico, com a intenção de chamar a atenção dos bandidos para que eles me deixassem entrar. Minha mãe levantou a cabeça ao ouvir minha voz e me viu. O que eu vi me deixou ainda mais desesperada e enfurecida, além de mais lágrimas escorrerem por minhas bochechas: haviam batido na minha mãe!
- Mãe! Mãe! – Fechei a mão para esmurrar o vidro, que nem se abalou. Ótimo! – Mãe! – Fui para a porta da loja. – Me deixem entrar e ficar com ela! Mãe! Mãe! Mãe!
Eu chorava que nem uma louca. E não era nada teatral, eu não conseguia controlar. Minhas emoções estavam por todo lado. Eu só queria segurar nas mãos da minha mãe e ter certeza de que ela ainda estava bem.
- Quero saber quem foi o cretino que bateu na minha mãe! COVARDE! – gritei o mais alto que pude, mais do que achava que conseguia, e ecoou por todos os cantos do shopping. Vi algumas pessoas olhando da vitrine de outras lojas com cara de pavor. – Filho da puta, por que? Ela reclamou de algo? Lutou? Abram isso!
Um bandido mascarado abriu a porta metálica que eu esmurrava e me deu um tapa na cara, me puxando pelo cabelo e me jogando para dentro da loja. Bati minhas costas em um pilar e outro bandido me pegou pelo braço, me apertando.
- Essa é sua mãe? – Ele me puxou para baixo, me jogando ao lado dela.

- Mãe! – recebi outro tapa na cara. Do segundo bandido que me pegou. Ele agachara na minha frente.

- Filha! Para! – Minha mãe tentava afastar o cretino que me bateu. – O que faz aqui?

- Eu… não podia te deixar sozinha.

- Calem a boca! Antes que eu cale por vocês! – Um terceiro bandido, mirando sua arma para mim, disse.

Segurei a mão da minha mãe e disse baixinho: - Não tá doendo as costas?

- Por incrível que pareça, arranjei uma posição que não.

- Mandei calarem a boca. – Tapei a minha com a mão e ele não fez nada.

Nada aconteceu por alguns longos minutos, então ouvimos uma comoção do lado de fora. Policiais se colocaram na porta da Vivara, conseguimos ver. Prestei mais atenção e vi Matheus. Ele colocara seu uniforme novamente, claramente abalado por não estar mais no controle da situação. Se bem que ele nunca esteve, ouso dizer. Ou talvez tenha recebido uma bronca muito grande por não ter me mantido com ele. É, essa era a mais provável, ainda que ele, verdadeiramente, não tivesse tido a oportunidade de me impedir.

- Vamos! – ouvi alguém dizer junto com mais alguma ordem esquisita, possivelmente técnica, ou seja, não entendi, óbvio.

- Soltem os reféns! Liberte-os e ninguém sairá ferido!

- Tarde demais – sussurrei, olhando para a minha mãe e seus hematomas.

- Não sairemos daqui algemados! – disse o bandido que se aproximou da porta. – Só soltaremos essas pessoas quando estivermos do lado de fora do shopping!

Uma discussão se deu início a partir de então, com a indignação geral dos policiais com as exigências e argumentos caóticos dos bandidos envolvidos, portanto estávamos todos tensos. O que ainda poderia acontecer? Quais eram as nossas chances e quanto tempo levariam para chegar a um acordo? Nada parecia muito promissor de todo o argumento.
Coloquei as mãos espalmadas no chão e deitei com a cabeça de lado nelas, olhando para a vitrine. Uma figura conhecida se materializou ali, a expressão de arrependimento e preocupação estampados em seu olhar. Matheus.

Com um gesto, perguntou se eu estava bem. Fechei os olhos e encostei meu queixo no pescoço, demonstrando que sim. Era verdade; eu ainda estava ok, mesmo depois dos tapas. Abri os olhos e vi que isso não alterou sua expressão. “Vou te tirar daí, juro” foi a frase que li em seus lábios em seguida. Dei um sorriso e senti uma mão me puxar pelo colarinho da blusa com tanta força que achei que o tecido rasgaria. Fui colocada de pé muito rápida; fiquei desorientada e tonta por alguns segundos antes de focalizar no rosto horrorizado e preocupado do policial.

- Seu namoradinho é o policial, é? – Era o bandido número dois. Ele falava no meu ouvido e o encarei. Seus olhos me diziam que ele achava graça, mas, quando meu estômago revirou, eu soube que ele não tinha nenhuma intenção boa com essa informação.

Não consegui, também, responde-lo. Ele apertou meu braço e me fez andar até a porta. Um capanga destrancou a porta e nós passamos para o lado de fora, a arma dele na minha cintura, eu a sua frente como um escudo. Eu tinha na minha cabeça somente uma frase: “ele não é meu namorado!” e era nisso que eu conseguia pensar, não que eu achasse que ele acreditaria no que eu dissesse depois da reação do Matheus quando passei pela porta.

- Não! – Ele exclamou, os olhos arregalados.

Matheus não conseguia manter a postura policial, eu pude perceber, e isso era esquisito e muito ruim. Qual era o problema dele?

O bandido dois apertou a arma na minha cintura, me empurrando e demandando:

- Caso queiram essas pessoas vivas, nos deixem passar. Vamos – ele gesticulou para os comparsas – peguem o seu. Eles não vão arriscar a vida desses paspalhos. Peguem a outra também. – Oh, não! Mãe!

Como eu queria não estar certa! Minha mãe foi a primeira a sair com outro bandido da loja. Outros quatro saíram acompanhados e todos eram clientes. Isso não era bom; todos estávamos com uma arma apontada para alguma parte de nosso corpo, ficando na frente dos bandidos como escudo.

- Estamos indo! Até aqui tudo ótimo! – Os bandidos estavam há dois metros do esquadrão policial antes destes começarem a andar. – Isso, podem até nos seguir, mas um disparo e vocês matam também seis inocentes. – O marginal riu.

Subimos para o andar superior aonde a saída de pedestres ficava, e só paramos quando chegamos à porta, esta cercada de policiais que não faziam ideia da discussão que acontecera minutos antes.

- NÃO ATIREM! – ouvimos um “bip”. Era um policial falando pelo rádio. – Eles estão com reféns na mira!

Vimos os policiais do lado de fora confusos e se encarando e suas armas foram abaixando uma a uma. O bandido com uma mulher ao meu lado andou para fora e disse:

- Iremos até a esquina com eles. – Apontou para a refém. – Nenhum de vocês vai nos seguir, então, quando acharmos que é hora, vamos libertá-los. Se virmos vocês ou se algum refém lutar, mataremos todos. Entenderam?

O comandante da operação se colocou em evidência para o bandido, fazendo uma contraproposta tão ridícula que o bandido riu na cara dele. É claro que eles não se renderiam e a petulância do comandante causou irritação entre os ladrões e um deles se pôs a responder para que todos entendessem: ele levou a vítima que estava sob sua mira para fora e atirou nele. Bem na coxa. Soltei um grito e levei minhas mãos aos lábios, lágrimas se formando nos olhos.

- Vou deixar algo claro: a próxima é no meio da testa se não nos deixarem passar agora! – Ele gritou.

O cara que levou o tiro segurava a coxa, apertando o local e fazendo caretas de dor. Passamos por ele enquanto o cretino que atirara demandava que os policiais saíssem do caminho.

Seguimos para a esquina, onde um carro estacionado era destravado e os bandidos entravam nele. Cada um de nós era liberado das mãos dos bandidos e, ainda sob a mira deles, fomos instruídos para virar de costas enquanto eles partiam. Vimos o bandido que tinha atirado no cara chegar até aonde estávamos em poucos segundos, a chave de uma moto na mão. Havia uma ao meu lado. O cretino olhou para mim e disse:

- Você vem comigo!

- O que? Não! – Eu disse quando me agarrou.

- Com você na garupa… Seu namoradinho policial não vai deixar ninguém atirar!

- ELE NÃO É MEU NAMORADO! – Consegui dizer finalmente, porém ele apontava a arma para mim e, depois dele mudar a mira da arma para a minha mãe, eu não tive muita escolha, subi na moto.

- Não é? Eu vi como ele te olhou lá dentro. Se não é, quer ser. Vamos! – E, encarando minha mãe, completou: - Vou cuidar muito bem da sua filhinha. Rá rá rá! – Tive que me agarrar à cintura dele quando a moto partiu para na cair. Ouvi minha mãe gritar meu nome.